O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) publicou recentemente a portaria nº 3/2024, regulamentando os procedimentos não penais relacionados ao porte de cannabis para consumo pessoal. Essa regulamentação segue a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 506, que descriminalizou a posse de até 40g ou seis plantas de cannabis para uso pessoal, tratando-o como um ilícito extrapenal sujeito a medidas educativas e advertências. A medida busca padronizar a atuação dos juizados especiais cíveis e criminais do estado, garantindo que o tratamento dos usuários de cannabis siga as diretrizes estabelecidas pelo STF.
A Nova Regulamentação
Em setembro de 2024, o STF decidiu que a posse de até 40g de cannabis ou o cultivo de até seis plantas femininas para consumo próprio não constitui crime, mas sim um ilícito extrapenal. Assim, quem for flagrado com essas quantidades não será processado criminalmente, mas terá o material apreendido e será notificado para comparecer ao juizado. Esse procedimento, no entanto, não implica em pena criminal, sendo o foco em advertências e medidas educativas.
Enquanto o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ainda não regulamenta a aplicação dessa decisão em todo o país, os Juizados Especiais Criminais (Jecrim) continuam sendo os responsáveis por julgar casos de porte para consumo pessoal com base no artigo 28 da Lei 11.343/06. A portaria do TJMT busca organizar e padronizar esses processos em Mato Grosso, especialmente no que diz respeito ao tratamento de usuários de cannabis.
Procedimento no Jecrim
O juiz Hugo José Freitas da Silva, do Jecrim de Várzea Grande, foi um dos pioneiros na aplicação prática dessa regulamentação. Ele observou a necessidade de criar um procedimento mais eficiente, mesmo sem orientações detalhadas do CNJ. Com a ajuda do juiz Agamenon Alcântara Moreno Júnior, Freitas da Silva desenvolveu um modelo de atendimento que inclui advertências e medidas educativas, como participação em programas de reabilitação e cursos de conscientização. Esse formato foi bem-sucedido em Várzea Grande e, agora, a portaria expande o procedimento para todo o estado.
Detalhes do Procedimento
A portaria nº 3/2024, assinada pelo desembargador Marcos Henrique Machado, formaliza o novo processo em Mato Grosso, dividindo-o em duas fases: preliminar e processual. Na fase preliminar, o Jecrim e o Ministério Público analisam se o caso se enquadra na decisão do STF. Se sim, o processo avança para a fase processual, onde são realizados atendimentos psicossociais e encaminhamentos para ações afirmativas, como cursos profissionalizantes e apoio familiar.
O juiz Hugo José Freitas da Silva destaca que a abordagem busca ser acolhedora e humanizada, adaptando as medidas às necessidades e realidades de cada pessoa. O objetivo é evitar a estigmatização dos usuários de cannabis e promover a reintegração social.
Questões Pendentes
Apesar da regulamentação, alguns pontos ainda não foram esclarecidos. O advogado Murilo Nicolau observa que ainda há incertezas sobre a aplicação da decisão para derivados da cannabis, como o haxixe. Além disso, o advogado Clayton Medeiros questiona a obrigatoriedade do comparecimento ao Jecrim, argumentando que, embora a posse de cannabis não seja mais considerada crime, o ato de comparecer ao juizado criminal ainda carrega um estigma de marginalidade.
Essa regulamentação, no entanto, representa um avanço importante no tratamento de usuários de cannabis no Brasil, oferecendo uma abordagem mais educativa e menos punitiva, conforme decidido pelo STF.